Cidade - 24/10/2010

— Antigamente o uso de drogas era uma coisa mais romântica. Você tinha determinados pontos de venda em Juiz de Fora: tinha o traficante da Vila Alpina, do Jóquei Clube, do Olavo Costa, da Vila Ozanan e do Mundo Novo, por exemplo. Então, você sabia o nome e o CPF de todos — recorda. Com o tempo, como explica Camarota, a droga foi se espalhando pela cidade e, hoje, não é possível ter a menor noção de quantas pessoas estão realizando o tráfico.
— Tanto tem a pessoa que utiliza o tráfico para a subsistência, como tem o viciado que vende droga para comprar mais, como tem o grande traficante, que distribui a droga. Em comparação com os meios de ação do passado, o delegado também aponta evoluções, principalmente na forma e locais em que as vendas são feitas. — Antigamente, só existia o traficante pequeno, que vendia a droga com dois ou três vapores (entregadores). Eles ficavam em volta da casa dele. Hoje em dia não se pode mais falar que aquele é um traficante. Em toda rua tem traficante. Você pode conviver com a pessoa e não saber. É uma evolução natural.
Inovar é preciso
Para o delegado da 6ª Delegacia Distrital de Polícia Civil, Carlos Eduardo Santos, as prisões realizadas neste ano refletem as táticas inovadoras que os traficantes vêm empregando para vender as drogas. Um dos casos mais interessantes foi registrado durante batida em fevereiro, no Bairro Vila Ideal: o traficante utilizava uma micro-câmera acoplada a uma luneta com o objetivo de captar imagens em zoom das ruas próximas e de um escadão de acesso ao bairro.
— A gente nunca espera que vai encontrar isso. Em Juiz de Fora é a primeira vez que vimos dessa maneira. Em outras situações já pegamos a casa do traficante sendo monitorada por câmeras. Segundo o suspeito preso, a câmera captava imagens de até 1km de distância — explicou. Nesse primeiro caso, Santos explica que o modelo utilizado é o tradicional de boca de fumo, em que a pessoa vai no local e compra a droga. Uma outra modalidade que o delegado destaca como inovadora são os disque-drogas, em que a pessoa liga para o telefone do traficante e o material é entregue no endereço, como qualquer serviço de entrega. Essa modalidade não é inédita na cidade, mas os modos de ação se modificaram. Em junho, a delegacia fez a primeira prisão de disque-drogas do ano. Nos três meses seguintes foram mais três.
— Nesses casos, a gente vê que os usuários não estão querendo se arriscar para subir o morro e correr o risco de serem pegos pela polícia. Então, eles pagam um valor maior pela droga para que possam receber em casa — destaca. As investigações apontaram para mais peculiaridades: somente venda para clientes de confiança, uso de carros de luxo para despistar e escolha de pontos mais centrais da cidade.
Outro caso que chamou a atenção dos policiais da delegacia foi a lanchonete que funcionava como ponto de venda de drogas, na Avenida Sete de Setembro, no Bairro Vitorino Braga. O inusitado era que o local servia apenas como fachada. O freezer e uma chapa, serviam somente de enfeite. — Esse beirava o absurdo. Aparentemente era um trailer normal. A gente passou a investigar e vimos que as pessoas entravam lá e não compravam nada. Esperamos alguém comprar a droga e quando o abordamos, a pessoa estava com um papelote de cocaína e falou que a senha para comprar era ‘hambúrguer de 10’.
O delegado acrescenta ainda que as mesmas pessoas presas nesta ”lanchonete“ já haviam sido detidas em março, utilizando o mesmo esquema. Esse artifício, utilizado para despistar a polícia, pode ser visto como uma tendência e, tanto para Santos, como para Camarota, a evolução acontece de forma natural. — Da mesma maneira que a polícia está fazendo essas prisões, os bandidos também vão inovando.
Afrouxamento da justiça
Outro motivo abordado pelo titular da GTO que serve como motivação, levando uma sensação de impunidade para os usuários, é a própria lei, que antes, punia também o consumidor. — Antigamente o uso de drogas tinha pena de seis meses a dois anos. Hoje não tem mais penalização, e o Estado trata os dependentes de droga como doentes. Mas o Estado não está cuidando dos viciados. Ainda em alusão a essa falta de severidade da justiça, Camarota compara a droga dentro do país com o exterior.
— No Brasil a droga chega de ônibus e carro. Aqui você compra o quilo entre R$ 8 mil e R$ 10 mil. Na Europa vale até US$ 50 mil (cerca de R$ 87 mil). Isso porque a repressão é muito forte. Então, para o traficante mexer com isso tem que valer a pena. Também nessa direção, Camarota elucida que, nas grandes apreensões, a reincidência no tráfico é frequente, mesmo que a pena para casos de maior quantidade seja superior a dez anos. O delegado relembra de uma batida em que nove pessoas foram presas e dessas, oito já tinham passagem pelo crime. — Eles não param. O dinheiro é muito grande - conclui.
Relembre os casos
Plantação de skunk - 16 de outubro de 2009
A Polícia Federal apreendeu 30 pés de skunk, uma variação mais forte da maconha, em um apartamento avaliado em R$ 1 milhão, no Centro da cidade. A produção incluía o cultivo em estufa, secagem e embalagem. Um homem foi preso.
“Big Brother” do Vila Ideal - 10 de fevereiro de 2010
O traficante transmitia as imagens da micro-câmera acoplada em uma luneta em uma televisão dentro de sua residência. Com isso, ele se prevenia e sabia quando a polícia passava no bairro.
Disque-drogas - 22 de janeiro, 18 de junho, 8 de julho e 20 de outubro de 2010
No primeiro, o GTO acabou com o esquema que envolvia até motoboys para a entrega de crack, cocaína, ecstasy, LSD e anabolizantes. Cinco pessoas foram presas. No segundo caso, a 6ª e 7ª delegacias prenderam o traficante, que entregava os entorpecentes em um Audi A3 para usuários dos bairros Bom Pastor e Alto dos Passos. Três semanas depois, outro traficante foi preso no Bairro Eldorado, que confessou atender 30 clientes fixos. A apreensão mais recente ocorreu no Bairro Granjas Bethel, onde um traficante foi preso por entregar drogas em bairros de classe média alta. O carro utilizado era um Honda Civic, de 2008, e em sua agenda existia o contato de, pelo menos, 30 clientes fixos.
“Hamburguer de 10” - 7 de outubro de 2010
A senha era utilizada para a compra de cocaína em uma lanchonete de fachada na Avenida Sete de Setembro. Duas pessoas foram presas, e usuários revelaram que o local estariam funcionando há, pelo menos, um ano.